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Zen and the Art of Machine Knitting

“A vontade tem que ser escondida se não mata o nervo vital do que se quer.” (Clarice Lispector) Trabalhar com uma máquina de tricotar, qualquer máquina, implica um processo de aprendizagem complexo que leva o seu tempo até atingir o ponto em que o operador e a ferramenta funcionam como uma única entidade, chegando a uma espécie de osmose. É, no fundo, um processo de concentração, de abertura à concentração, que em si é um fenómeno complexo e paradoxal porque implica ao mesmo tempo tensão e relaxamento, presença e ausência. No clássico O Zen na Arte do Tiro ao Arco, obra de um professor de filosofia alemão – Eugen Herrigel – publicada em 1948 e que descreve a sua experiência de aprendizagem de uma técnica japonesa específica de tiro ao arco, a ideia central é a de que através do exercício persistente, qualquer atividade física passa a ser executada sem esforço mental e físico, como se o nosso corpo treinado fosse capaz de executar movimentos complexos e difíceis sem o controlo consciente da mente. Ao …

Matemáticos amorosos/ Amorous mathematicians

Numa conversa entre Clarice Lispector e Tom Jobim, Clarice perguntou a Tom qualquer coisa do género se achava ele que o amor não era mais do que uma equação perfeita. Tom respondeu, fugindo de alguma forma à questão, que sempre fora “um matemático amoroso”. A tricotar e a ver o documentário feito sobre a reposição de Kontakhof(Tanzträumer) de Pina Baush, ocorreu-me que o mundo está cheio de matemáticos amorosos, que poderão ou não acreditar que o amor é uma equação perfeita. Tricotadeiras que contam as malhas de liga e meia nas suas cabeças, bailarinos que marcam o compasso das músicas pautadas pelos músicos, esses outros matemáticos amorosos. Tudo são números, entoados mentalmente ou em surdina. Tudo por amor. Não faço ideia se esta seria a intenção por detrás da resposta de Jobim, mas esta é a minha forma de juntar um mais um. In a conversation between the Brazilian writer Clarice Lispector and the inventor of Bossa Nova Tom Jobim, Clarice asked Tom whether he thought love was no more than a perfect equation. Tom …

Moodboards, how I love thee! Let me count the ways…

Penso que o termo moodboard esteja particularmente ligado ao mundo da moda e sirva para classificar o processo de brainstorming visual que antecede a definição e a produção de uma determinada coleção. Sendo uma rapariga com uma vocação particularmente visual, apercebo-me que sempre construí moodboards e lamento profundamente ter deitado ao lixo os manuais escolares desatualizados em que nos idos anos 80 colei muitas imagens recortadas de jornais e revistas. Antes dos 12 anos, quando ainda não era cool, estes repositórios estavam cheios de fotografias e artigos sobre bandas como os Duran, Duran, os Police ou as mais insignificantes saídas à rua da princesa Carolina do Mónaco! (Eu sei, eu sei, “atirem-me água benta!”, como diria o Reininho.) As coisas melhoraram um bocado a partir daí, graças aos amigos que ouviam Echo and the Bunnymen, aos namorados que deliravam com os Smiths e aos irmãos mais velhos que enchiam a casa de revistas como a Photo ou os Cahiers du Cinéma! (Muitos pontos acima, como se pode ver!) Chega de conversa de mole! Isto tudo …

Porquê uma máquina de tricotar?/Why a knitting machine?

Conta-se que nos idos anos 70, 80 e 90, antes que nos chegassem as malhas produzidas em quantidades industriais pelos operários asiáticos e sul-americanos, muitas mulheres portuguesas trabalhavam em casa nas suas máquinas de tricotar, produzindo uma enorme variedade de malhas para os mais diversos fins, mas alimentando muito particularmente uma indústria de moda que funcionava então razoavelmente apoiada nesse registo de indústria caseira. Com a exceção de algumas bolsas de atividade que se foram mantendo vivas, esta rede de operariado informal e caseiro extinguiu-se de uma forma quase brutal em finais dos anos 90 e as máquinas foram arrumadas em garagens ou em quartos de arrumos ou vendidas a quem as quisesse levar para oficinas ainda em funcionamento que em breve também veriam o seu trabalho condenado. Esgotada a novidade do pronto a vestir de baixo custo e de baixa qualidade, em tempos de crise em que se procura que aquilo que se compra traga garantias de qualidade, durabilidade e originalidade, as máquinas de tricotar oferecem novamente uma alternativa viável à produção massificada de …

In a far, far away galaxy…

Há muitos anos atrás, um dos meus irmãos partiu lá para fora para lutar pela vida. Entre as aulas na Sorbonne e os empregos ocasionais como caixa de supermercado, começou a tricotar num tempo em que as revistas francesas (como a Elle) apresentavam sempre como rubrica semanal uma fiche tricot, editava-se uma revista chamada 100 Idées e toda a gente dava às agulhas. Desse tempo, herdei muitos novelos de lã que raramente chegavam para fazer peças completas, quando eu ainda só acreditava em fazer camisolas. Back in 1977, my brother Mário emigrated to France after a brief passage through England that didn’t go so well. After enrolling at Sorbonne and having various unimportant jobs as supermarket cashier or other he started on a short lived career as a knitter. This was back in the days when French fashion magazines would have a knitting pattern page (like Elle did) and magazines like 100 Idées were everywhere. Mário is the reason why I knit because suddenly our house was full of sample skeins of yarn of different colours …